A educação afetiva | César Nunes

Quando me proponho a analisar, a debater e a buscar compreender a complexidade da identidade da educação brasileira, desde a sua formação histórica, passando por seus determinantes políticos e filosóficos, até chegar aos processos curriculares, à organização didática e administrativa da escola, à consideração da questão da avaliação, entre tantos outros temas, acabo percebendo que deixamos de lado dimensões antropológicas essencialmente humanas, e que hoje são desafios e urgências, analíticas e propositivas. Uma das mais urgentes dimensões a se considerar é a questão da afetividade, a qualidade social e subjetiva das relações pessoais, das relações travadas entre as pessoas, entre os sujeitos que estabelecem relações radicalmente humanas na escola. Descuramos, não assumimos como importantes ou até mesmo, como consideráveis, as questões que envolvem a educação afetiva e emocional.

O ser humano é um ser aprendente. Aprendemos a condição humana, ela é transmitida pela prática social, pela cultura, pelas interrelações entre as gerações, pela linguagem, pelas condutas, pelos saberes e conhecimentos, pelos valores, pelas instituições, enfim, por tudo aquilo que acumulamos em nossa marcha e trajetória histórica. A condição humana é aprendida. Neste sentido, não nascemos prontos, não somos seres acabados, somos processo, somos projeto aberto, somos sempre travessia! Cada pessoa é uma construção, original e única, da diversidade da condição humana. Daí ser a vida, a convivência social, a maior troca simbólica da formação humana. Conviver com outras pessoas, estar juntos, é entender a vida, dramática e maravilhosa, em sua plenitude.

Neste sentido é que tenho defendido a questão da educação afetiva. Afetividade significa, para esta consideração reflexiva, educar para a sensibilidade, educar para ter imperativos éticos e estéticos referentes a outras pessoas, à natureza, à diversidade da vida e do mundo, aos valores, às artes, aos conhecimentos e, sobretudo, à polifonia das personalidades, das diferentes pessoas, culturas, identidades, grupos e movimentos que nos cercam. A vida, em si, é uma grande epifania de vivências, de desabrochamentos de experiências, de vitalidades, emoções, alegrias, perdas (igualmente) e achados! Compreender a vida como dádiva, de Deus e da natureza, é um primeiro passo para aprender a viver bem!

Educação afetiva é a criação de uma atmosfera vivencial de sensibilidades, de gestos elevados, esteticamente belos e bons, como aqueles que cultivamos como essenciais. Praticar a palavra acolhedora, a bendizer os dias e as pessoas, a celebrar os encontros, a pedir desculpas e perdões pelos erros, pelas contradições, pelos desvios padrões que acontecem entre nossos desejos, nossas necessidades e nossos atos reais, é sempre cultivar a paz, a leveza, a generosidade, a esperança, o bom trato, a convivência pluralista, diversa, amorosa, isto é, carregada de laços de pertencimento, de pequenos gestos de acolhimento, de demonstração da especialidade de nossa condição cultural humana.

Educação afetiva é erigir alguns valores como “sagrados” para a convivência familiar, escolar, social e grupal, tais como, a disposição para o trabalho em grupo, a decisão consultiva, as escolhas voltadas para o bem de todos, a paz e a democracia, o respeito à dignidade de toda pessoa, a condenação de toda forma de violência, simbólica ou real, a condenação firme de toda crueldade, de toda covardia, de toda destruição predatória do ecossistema, dos animais, das flores, do meio-ambiente, da natureza. Ter sobretudo o sagrado amor à vida, proteger os que precisam de mais afeto, de mais proteção, combater todo sofrimento humano, notadamente aquele socialmente produzido, para que possa ser socialmente transformado.

Educação afetiva é mudar o olhar para com as crianças, os adolescentes, os jovens. É ser exemplo, é convencer pela palavra e testemunhar com as atitudes, no dizer da grande alma Gandhi: “Seja você no mundo a mudança que você deseja para ele”. Educar para erigir “aquilo que nos afeta, a afetividade” sobre coordenadas antropológicas de solidariedade, companheirismo, amizade, lealdade. Como cantava o poeta pantaneiro A. Sater, com seu amigo “caipira” R. Teixeira: “É preciso amor para poder pulsar, é preciso paz para poder sorrir, é preciso a chuva, para florir!”. Observem bem, a chuva está caindo, a natureza está fazendo a sua parte! Faltam as outras duas disposições para a vida ser melhor!